Um Pai Abraça a Fé

Resumo e Cenário Histórico 


Nichiren Daishonin escreveu esta carta em Minobu, no nono mês do terceiro ano de Kenji (1277) — ou 1278, de acordo com outras fontes — endereçando-a para Ikegami Hyoe no Sakan Munenaga, o mais novo dos irmãos Ikegami, expressando sua alegria pela conversão do pai de Munenaga, Saemon no Tayu Yasumitsu. Durante muitos anos, Yasumitsu havia se oposto obstinadamente à crença de seus filhos, tentando dividir os dois, deserdando o irmão mais velho, Munenaka, e, prometendo tornar Munenaga seu herdeiro se abandonasse os ensinamentos de Daishonin. Diante de toda essa provação, Munenaka recusou-se firmemente a abandonar sua fé, mas Munenaga, de tempos em tempo, vacilava. Contudo, graças às repetidas cartas de encorajamento de Daishonin, ele conseguiu resistir à pressão das exigências de Yasumitsu e, finalmente, assumiu um sólido compromisso com a fé. Agora que os dois irmãos haviam, por fim, vencido a oposição do pai e o convencido a abraçar o Sutra do Lótus, Nichiren Daishonin congratulava calorosamente Munenaga em particular, elogiando sua decisão de permanecer leal à sua fé e a seu irmão mais velho.
Entretanto, conforme indica o pós-escrito, essa carta foi destinada não apenas a Munenaga, mas a todos os seguidores de Nichiren Daishonin.

Frase 1


Lemos nos sutras que comumente, quando a época entra em declínio, sábios e veneráveis, todos, se isolam do mundo, e somente caluniadores, bajuladores, traidores sorridentes e aqueles de princípios desonestos proliferam na terra. Por exemplo, quando o nível da água abaixa, o lago fica perturbado, e quando o vento sopra, o mar nunca fica calmo. Também lemos que, quando se inicia os Últimos Dias da Lei e quando secas, epidemias e grandes tempestades e vendavais ocorrem em sucessão, até mesmo aquele de coração grandioso se torna tacanho, e mesmo aqueles que buscam o caminho adotam visões errôneas. Os sutras dizem que, consequentemente, pai e mãe, marido e mulher e irmão mais velho e mais novo entrarão em conflito uns com os outros, como caçador e cervo, gato e rato ou falcão e faisão — isso para não mencionar nada sobre as relações entre estranhos (END, v. VI, p. 265).

Explanação


Os sutras budistas em geral afirmam que, quando os Últimos Dias da Lei chegam, as pessoas sábias e dignas desaparecerão, e, ao contrário, caluniadores, bajuladores, traidores sorridentes e aqueles de princípios desonestos proliferarão na terra (cf. END, v. VI, p. 265). Em outras palavras, trata-se de uma era maléfica invadida por conspiradores interesseiros que semeiam a desconfiança entre as pessoas.
Nichiren Daishonin enfatiza também que uma característica especial dessa época degenerada é que conflitos e discórdias se intensificarão não somente entre a população em geral, mas mesmo entre aqueles que têm relações estreitas, como entre pai e filho, marido e mulher, e irmãos.
Em suas primeiras cartas endereçadas aos irmãos Ikegami, Daishonin mostrou que o pai deles — enganado por influências negativas como Ryokan,1 líder sacerdotal do templo Gokuraku-ji — estava manifestando as funções dos três obstáculos e das quatro maldades (jap. sansh-shima) em suas ações para coagir os dois a abandonar sua fé. Compreendendo profundamente a verdadeira natureza dessa situação com base na Lei Mística, Daishonin lutou incansavelmente contra as insidiosas tramoias de Ryokan e outros.
Ao mesmo tempo, porém, Nichiren Daishonin instruiu os irmãos a demonstrar fiel devoção filial, pois o pai havia sido desviado por um mestre errado, e que persistissem em seus esforços para guiá-lo ao caminho da iluminação por meio do poder da Lei Mística. Isso estava baseado na crença de Daishonin de que a melhor maneira de serem bons filhos era eles atingirem o estado de buda — mesmo que isso por um tempo aparentasse desobediência ao pai, porque permitiria que eles os conduzissem à felicidade no sentido mais verdadeiro e profundo. Daishonin nunca perdeu de vista essa mais importante questão dos irmãos orientarem seu pai para o ensinamento correto.
Por diversas vezes nas cartas endereçadas aos irmãos Ikegami, Nitiren Daishonin citou a história dos irmãos Acervo Puro e Visão Pura,2 que conduziram seu pai, o rei Adorno Magnífico, a abraçar a fé no ensinamento correto. Ele pede aos irmãos Ikegami para seguirem esse exemplo e, em última instância, criarem uma família harmoniosa, dizendo: “Seu pai é como o rei Adorno Magnífico, o senhor e seu irmão são como os príncipes Acervo Puro e Visão Pura. A época é diferente, mas o princípio do Sutra do Lótus permanece exatamente o mesmo” (CEND, v. I, p. 666).
Meu mestre e segundo presidente da Soka Gakkai, Josei Toda, por diversas vezes também se referiu à história dos irmãos Acervo Puro e Visão Pura para incentivar os jovens cujos familiares não praticavam o Budismo de Nichiren Daishonin. Certa vez, ele disse: “Os irmãos Acervo Puro e Visão Pura convenceram seu pai a abraçar a fé no ensinamento correto, demonstrando o poder da Lei Mística na própria vida. Da mesma forma, não há necessidade de vocês se apressarem e começarem a ensinar a seus familiares os princípios do budismo. Mesmo que leve algum tempo, primeiro se esforcem para se tornarem boas pessoas, deixando seus pais tranquilos. Quero que sejam pessoas que realmente se importam, respeitam e apreciam seus pais”.
A orientação de Toda Sensei sobre “a prática da fé para a harmonia familiar” expressa um de nossos objetivos mais fundamentais como praticantes do Budismo de Nichiren Daishonin. Ele também afirmou que não devemos permitir que nossa prática budista se torne fonte de discórdia ou conflitos em nossa família. A sinceridade é de primordial importância. Devemos sempre ser sinceros e respeitosos em nosso relacionamento com os outros. Temos de assumir o papel principal sendo alegres e otimistas, e manifestar sabedoria e benevolência para apoiar e abraçar calorosamente os que nos cercam. Nossos contínuos esforços para cultivar essas relações harmoniosas em nosso ambiente são a chave para a vitória na fé, e brilham com a sabedoria do budismo.
Quando a revolução humana e a revolução familiar das pessoas que praticam a Lei Mística difundirem a ideologia do Sutra do Lótus de que todos somos budas e dignos do maior respeito, será possível realizar uma grande transformação do carma de conflitos incessantes dos Últimos Dias da Lei. E, por fim, essa filosofia cheia de esperança se propagará por toda a sociedade e para o mundo todo, restaurando uma calorosa corrente de benevolência em nossa época maléfica.

Frase 2


Sacerdotes possuídos pelo demônio celestial, como Ryokan e outros, enganaram seu pai, Saemon no Tayu [Yasumitsu Ikegami], e tentaram destruir você [Munenaga] e seu irmão [Munenaka], mas vocês, possuidores de um sábio coração, ouviram as advertências de Nichiren. Portanto, assim como duas rodas sustentam uma carroça ou duas pernas sustentam uma pessoa, duas asas permitem que um pássaro voe ou o Sol e a Lua ajudam todos os seres vivos, os esforços dos irmãos conduziram seu pai a abraçar a fé no Sutra do Lótus. É unicamente por sua causa, Hyoe no Sakan [Munenaga], que as coisas se resolveram dessa forma (END, v. VI, p. 265).

Explanação


Nichiren Daishonin enfatiza novamente que a união demonstrada pelos irmãos Ikegami foi vital para frustrar os planos do Rei Demônio do Sexto Céu. Ele escreveu a Munenaga: “Você, possuidor de um sábio coração, ouviu as advertências de Nichiren” (END, v. VI, p. 265). Esses elogios destacam, em particular, o papel central desempenhado por Munenaga na conquista dos dois irmãos, que unidos, conduziram seu pai ao ensinamento correto. Aqui, Daishonin esclarece o importante princípio de que a realização do kosen-rufu depende do poder da união.
Numa carta anterior, Daishonin realmente instruiu Munenaga a declarar a seu pai: “Por isso, decidi romper relações com o senhor e seguir meu irmão. Se renegá-lo, saiba que estará renegando a mim também” (CEND, v. I, p. 666). Essa postura resoluta foi, sem dúvida, uma forma de provocar avanços na situação em que seu pai se encontrava. Enquanto os dois irmãos permanecessem firmemente unidos, as funções da maldade que procuravam dividi-los seriam incapazes de ganhar espaço na vida deles. Mas se os irmãos entrassem em discórdia, permitindo brechas em sua união, essas funções negativas facilmente tirariam proveito.
Em suas cartas para os irmãos Ikegami, Nichiren Daishonin repetidamente enfatiza a importância da união. Todas as histórias e contos que ele cita na segunda metade de Carta para os Irmãos, por exemplo, chamam a atenção para esse ponto (cf. CEND, v. I, p. 521).
E, no escrito Os Três Obstáculos e as Quatro Maldades, ele diz a Munenaga: “Mesmo que abandone seu irmão e ocupe o lugar dele no coração de seu pai, não conseguirá prosperar em mil ou em dez mil anos” (CEND, v. I, p. 668).
Como se sabe, Daishonin não só incentivou os irmãos Ikegami a permanecer unidos, como também fez o mesmo apelo às suas esposas. No final da Carta para os Irmãos, Nichiren Daishonin dirigiu estas palavras especificamente para as duas mulheres: “Se vocês duas se unirem para encorajar a fé dos maridos, seguirão o caminho da filha do rei dragão3 e se tornarão exemplos de mulheres que atingiram o estado de buda nesta última era maléfica” (Ibidem, p. 525). Ambas as mulheres atenderam ao apelo de Daishonin e, sem dúvida, também se esforçaram para manter a melhor das relações com o sogro.
Daishonin fez um esforço especial para incentivar a esposa do irmão mais novo, Munenaga.
Um marido e uma esposa que dedicam a vida para o kosen-rufu são companheiros praticantes da Lei Mística e companheiros numa luta compartilhada. Este é um princípio atemporal, aplica-se tanto à época de Daishonin como aos dias atuais. A vitória dos irmãos Ikegami também foi a vitória de suas esposas.
As mulheres possuem a sabedoria de ver as coisas pela ótica dos princípios fundamentais do respeito ao ser humano e à dignidade da vida.
Sem dúvida, a sábia mulher de Munenaga respeitava sinceramente Daishonin por seus singulares esforços para iluminar a escuridão dos Últimos Dias da Lei e abrir o caminho para a felicidade de todas as pessoas, e o encarava como seu mestre na fé enquanto desafiava a si mesma em suas batalhas.
Esse espírito de unicidade de mestre e discípulo foi o que permitiu os irmãos Ikegami e suas esposas triunfarem.
1. Ryokan (1217–1303): Também conhecido como Ninsho, foi um sacerdote da escola Preceitos-Verdadeira Palavra no Japão. Com o patrocínio do clã Hojo, Ryokan tornou-se sumo sacerdote do Templo Gokuraku-ji em Kamakura, e exercia enorme influência tanto sobre os funcionários do governo como sobre o povo. Era hostil a Daishonin e conspirava com as autoridades para que ele e seus seguidores fossem perseguidos. O lorde Ema e o pai dos irmãos Ikegami estavam entre os seguidores dele. 2. Acervo Puro (jap. Jz) e Visão Pura (jap. Jgen): Dois príncipes mencionados no Capítulo 27 do Sutra do Lótus, “Os Feitos Iniciais do Rei Adorno Magnífico”. O pai deles era o rei Adorno Magnífico e sua mãe, a Virtude Pura. Os dois irmãos manifestaram vários poderes sobrenaturais para convencer o pai, um seguidor dos ensinamentos não budistas, a aceitar o Sutra do Lótus. 3. Filha do rei dragão (jap. rynyo): Também chamada de menina-dragão. É a filha de 8 anos de Sagara, um dos oito grandes reis dragões que dizem habitar um palácio no fundo do mar. De acordo com o Capítulo 12 do Sutra do Lótus, “Devadatta”, a menina-dragão manifesta o desejo de atingir a iluminação ao ouvir o Bodisatva Manjushri pregar o Sutra do Lótus no palácio do rei dragão. Então, ela aparece diante da assembleia do Sutra do Lótus e instantaneamente atinge o estado de buda, mantendo sua forma física. A iluminação da menina-dragão é um modelo para a iluminação das mulheres e revela o poder do Sutra do Lótus para permitir igualmente que todas as pessoas atinjam o estado de buda tal como são.

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