O Kalpa de Diminuição

Resumo e Cenário Histórico 


O escrito O Kalpa de Diminuição, que vamos estudar agora, afirma que pôr em prática os ensinamentos do Budismo de Nichiren Daishonin constitui o “caminho fundamental para a felicidade de todas as pessoas”.
Kalpa de diminuição1 refere-se a um período no qual a energia vital das pessoas diminui, tanto espiritual como fisicamente, devido aos três venenos – avareza, ira e estupidez2 – que intensificam suas manifestações. A era em que nos encontramos é considerada como pertencente ao kalpa de diminuição.
Em tal época, a sabedoria do Budismo de Nichiren Daishonin é indispensável se quisermos viver com força e integridade, sem sermos afetados pelos três venenos, e alcançar a verdadeira felicidade. Isso porque o Budismo de Nichiren Daishonin oferece profundas e perspicazes reflexões sobre como podemos superar a ilusão interior – caracterizada pelos três venenos, que são a principal causa de infelicidade. 
Acredita-se que O Kalpa de Diminuição tenha sido escrito após a morte do sacerdote leigo Takahashi Rokuro Hyoe,3 seguidor de Nichiren Daishonin que viveu na província de Suruga (atual Shizuoka), e endereçado a alguém próximo a ele. Alguns estudiosos sugerem que fora enviado a um membro da família ou parente de Takahashi, que era praticante em Suruga (alguém como o sacerdote leigo de Nishiyama,4 por exemplo). Em todo caso, a partir do conteúdo da carta, que estabelece claramente a essência dos problemas que o país enfrenta, é provável que o destinatário deste Gosho tenha sido um membro da classe guerreira.
Acredita-se, também, que ele tenha sido escrito por volta de 1276, algum tempo depois da primeira invasão mongol (ocorrida em 1274).
O sacerdote leigo Takahashi foi um seguidor de firme fé que buscou sinceramente o ensinamento de Daishonin. 
Na carta, Daishonin diz que gostaria de realizar pessoalmente uma cerimônia em memória de Takahashi diante de seu túmulo. Mas, durante o período Kamakura, a província de Suruga era governada diretamente pelo clã Hojo [cujos membros eram hostis aos ensinamentos de Daishonin por seguirem outras escolas budistas da época]. E se viajasse até lá, diz ele, certamente causaria problemas para seus discípulos que moravam na região; em vez disso, decidiu enviar um discípulo em seu nome para recitar o Jigage,5 seção em verso contida no 16º capítulo do Sutra do Lótus, “A Extensão da Vida”, diante do túmulo de Takahashi (END, v. VI, p. 162).
Daishonin sempre demonstrava extrema preocupação com a segurança e o bem-estar de seus discípulos.
Naquele período, uma sensação de crise iminente tomava conta da nação, assim como o temor que se espalhara diante da possibilidade de que outro ataque mongol viesse a destruir o Japão. As pessoas sentiam enorme ansiedade, e não sabiam aonde ir.

Frase do escrito


Isso é explicado no primeiro volume do Sutra do Lótus, que diz: “O verdadeiro aspecto de todos os fenômenos somente pode ser compreendido e compartilhado entre budas”. Na frase “consistência do início ao fim”, “início” refere-se à raiz do mal e à raiz do bem, e “fim” indica o resultado do mal e o resultado do bem. Aquele que despertou completamente para a natureza do bem e do mal, de suas raízes aos seus ramos e às suas folhas, é chamado buda. (...) O Sutra do Lótus afirma: “[As doutrinas que eles pregam (...)] nunca serão contrárias ao [verdadeiro] aspecto”. Tiantai comentou sobre isso, dizendo que “assuntos seculares da vida ou do trabalho nunca são contrários ao verdadeiro aspecto”. Uma pessoa sábia não é aquela que pratica o budismo afastado do mundo secular, mas sim alguém que conhece profundamente os princípios que regem este mundo (END, v. VI, p. 161).

Explanação


Nessa passagem, Daishonin indica que uma pessoa verdadeiramente sábia, nos Últimos Dias da Lei, não só conhece as raízes ou as causas fundamentais do bem e do mal, mas também seus ramos e suas folhas, isto é, suas inumeráveis manifestações no mundo real. Ele diz que tal pessoa tem um profundo conhecimento sobre os princípios budistas e sobre os assuntos seculares, aliado a um bom domínio dos princípios pelos quais o mundo é governado. Em outras palavras, a partir da perspectiva do ensinamento de Nichiren Daishonin, uma pessoa sábia é aquela que pode transformar a realidade baseando-se na sabedoria do budismo.
Nesse trecho de O Kalpa de Diminuição, Daishonin refere-se às doutrinas do “verdadeiro aspecto de todos os fenômenos”(jap. shoh-jiss)6 e “três mil mundos num único momento da vida”(jap. ichinen sanzen)7 expostas no Sutra do Lótus. O “verdadeiro aspecto de todos os fenômenos” é a realidade do mundo exatamente como a sabedoria do Buda a compreende. A sabedoria do Buda compreende o verdadeiro aspecto não somente dos fenômenos visíveis, externos, mas também da boa e má condição da vida dos seres vivos nos dez mundos e as causas por trás delas.
Mesmo quando se encontra com uma única pessoa, um buda pondera sobre a verdadeira realidade da condição de vida dela, a bondade ou maldade contidas em seu coração, seus sofrimentos e suas alegrias, as causas que a levaram à infelicidade e ao infortúnio.
Ao agir assim, um buda pode captar com precisão o que a pessoa necessita fazer para transformar positivamente seu estado de vida e, depois, prega com benevolência o ensinamento que ajudará a libertá-la do sofrimento – um ensinamento concebido para inspirar cada indivíduo a conduzir sua própria transformação interior.
Dito de outra forma, um buda é aquele que conhece profundamente a raiz do bem (natureza fundamental da iluminação) e a raiz do mal (escuridão fundamental ou ignorância), bem como os galhos e folhas que brotam dessas raízes (as diversas manifestações do bem e do mal, do sofrimento e da alegria, em meio à realidade da sociedade). O budismo, por sua própria natureza, é uma religião para a transformação e possibilita a cada pessoa libertar-se do ciclo negativo, direcionando-a para o caminho do bem.
Nesse trecho, Nichiren Daishonin cita uma passagem do 19º capítulo do Sutra do Lótus, “Os Benefícios do Mestre da Lei”: “[As doutrinas que eles pregam (...)] nunca serão contrárias ao [verdadeiro] aspecto” [LSOC, cap. 19, p. 304 (LS, cap. 19, p. 263)], e cita ainda os comentários de Tiantai sobre esta afirmação: “Os assuntos seculares da vida ou do trabalho nunca são contrários ao verdadeiro aspecto” (END, v. VI, p. 161).
Os assuntos da vida diária, sem exceção, são em si o budismo. A luz da sabedoria do budismo brilha em meio à escuridão do nosso conturbado e atormentado mundo, oferecendo coragem, esperança e confiança. Assim como Daishonin afirma claramente neste trecho do escrito: “Uma pessoa sábia não é aquela que pratica o budismo afastado do mundo secular, mas sim alguém que conhece profundamente os princípios que regem este mundo” (END, v. VI, p. 161).
O budismo não existe separado da sociedade. Alguém verdadeiramente sábio é aquele que age para contribuir com a sociedade e guiá-la numa direção positiva por meio dos poderes da sabedoria e da benevolência budistas. Enquanto isso, uma sociedade dotada da sabedoria do budismo florescerá e prosperará.
A SGI empreende firmes esforços, seguindo o correto caminho de que “a fé é igual à vida diária” e que “o budismo se manifesta na sociedade”. Com base na convicção de que uma religião separada da realidade é uma religião morta, temos sistematicamente enfatizado a importância da vida diária e da sociedade.
1. Kalpa de diminuição (jap. gen-k): Período no qual a duração da vida humana diz-se diminuir. No kalpa de continuação – que corresponde ao segundo estágio dos quatro ciclos da formação, continuação, declínio e desintegração, a existência humana repete um ciclo de diminuição e de aumento gradativos da sua expectativa de vida. Qualquer período de diminuição é chamado kalpa de diminuição. Qualquer dos períodos em que a duração da vida humana aumenta é denominado kalpa de aumento. 2. Três venenos – avareza, ira e estupidez: São males fundamentais inerentes à vida que dão origem ao sofrimento humano. No Tratado sobre Grande Perfeição da Sabedoria de Nagarjuna, renomado estudioso Mahayana, os três venenos são considerados a fonte de todas as ilusões e de todos os desejos seculares. Os três venenos são assim chamados porque contaminam a vida das pessoas e trabalham para impedir que seu coração e sua mente se voltem para a bondade. 3. Takahashi Rokuro Hyoe [s.d.]: Também conhecido como o sacerdote leigo Takahashi, foi um discípulo de Nichiren Daishonin que viveu em Kajima, distrito de Suruga (atual cidade de Fuji, no centro de Shizuoka). Ele começou a praticar o Budismo de Nichiren Daishonin por meio do sobrinho de sua esposa, Nikko Shonin, discípulo e sucessor de Daishonin. Uma carta de Daishonin endereçada a Takahashi confiava a ele a responsabilidade da propagação na localidade onde morava, o que indica que ele teria a confiança de Daishonin e seria um líder entre os fiéis leigos em Fuji. 4. Sacerdote leigo de Nishiyama [s.d.]: Seguidor de Nichiren Daishonin, que viveu na Vila de Nishiyama em Fuji, no distrito de Suruga. É destinatário de uma série de cartas de Daishonin. 5. Jigage: Refere-se ao trecho em verso do 16º capítulo do Sutra do Lótus, “A Extensão da Vida”, que é recitado na segunda parte do Gongyo, ou a liturgia da SGI. Inicia com o trecho Ji ga toku bur-rai (desde que atingi o estado de buda) e termina com Mai ji-sa-ze-nen. I-ga-ry-shu-j. Toku ny mu-j d. Soku jju busshin (Medito constantemente: como posso conduzir as pessoas ao caminho supremo e fazer com que adquiram rapidamente o corpo de um buda?) (LSOC, cap. 16, p. 270-273 [LS, cap. 16, p. 229-32]). 6. Verdadeiro aspecto de todos os fenômenos (jap. shoh-jiss): Refere-se à realidade última ou verdade suprema que permeia todos os fenômenos e que não se separa deles. Por meio da explicação dos dez fatores da vida, o segundo capítulo do Sutra do Lótus, “Meios Apropriados”, esclarece que todas as pessoas são inerentemente dotadas com o potencial para se tornar budas e, na verdade, elas podem ativar e manifestar esse potencial. 7. Três mil mundos num único momento da vida (jap. ichinen sanzen): Doutrina desenvolvida por Tiantai da China, com base no Sutra do Lótus. O princípio de que todos os fenômenos estão contidos num único momento da vida, e que um único momento da vida permeia os três mil domínios da existência, ou o mundo fenomenal inteiro.

Um comentário: