Um Barco para Atravessar o Mar dos Sofrimentos

Um Barco para Atravessar o Mar dos Sofrimentos

 

Edição 562 - Publicado em 13/Junho/2015 - Página 30
Coletânea dos Escritos de Nichiren Daishonin, v. I, p. 33 Com base na explanação do presidente Ikeda: TC, ed. 551, jul. 2014

Cenário histórico

Nichiren Daishonin escreveu esta carta em Kamakura, no primeiro ano de Kocho (1261), aproximadamente duas semanas antes de ter sido exilado em Ito, na península de Izu. Pouco se sabe sobre o recebedor, Shiiji Shiro, a não ser que viveu na província de Suruga e que era amigo de dois importantes discípulos de Daishonin: Shijo Kingo e Toki Jonin.
O título desta carta foi extraído de uma passagem do capítulo “Rei dos Remédios” do Sutra do Lótus que diz: “Um barco para fazer a travessia”. Nessa escritura, Daishonin ensina que o daimoku do Sutra do Lótus é o “barco” que possibilita uma pessoa a atravessar infalivelmente o mar dos inevitáveis sofrimentos da vida até a distante margem da iluminação.


Frase 1


Nos Últimos Dias da Lei, o devoto do Sutra do Lótus aparecerá infalivelmente. Quanto piores forem as adversidades que recaírem sobre o devoto, maior será a alegria que ele sentirá devido à forte fé. O fogo não arde mais intensamente quando a lenha é adicionada? Todos os rios desembocam no mar; no entanto, poderia ocorrer de o mar rejeitar as águas deles? (CEND, v. I, p. 33) 

Explanação

Grandes dificuldades são a marca registrada do devoto do Sutra do Lótus. Nesta passagem, Daishonin afirma categoricamente que o “devoto do Sutra do Lótus” surgirá infalivelmente nos Últimos Dias da Lei. Se o devoto do Sutra do Lótus não aparecesse, as palavras de ouro do Buda se tornariam falsas. Uma vez que as palavras do Buda são sempre verdadeiras, o aparecimento do Sutra do Lótus que conduzirá as pessoas dos Últimos Dias à iluminação é certo. Não aceitar isso é o mesmo que não aceitar a verdade do Sutra do Lótus. Além disso, não é ninguém senão o próprio Nichiren Daishonin que veio realizando a prática do devoto do Sutra do Lótus e demonstrando a verdade do sutra.
Daishonin descreve os atributos que identificam o devoto do Sutra do Lótus. O principal deles está na declaração: “Quanto piores forem as adversidades que recaírem sobre o devoto, maior será a alegria que ele sentirá devido à forte fé” (CEND, v. I, p. 33).
A fé no Sutra do Lótus (Lei Mística) nos permite enfrentar as maiores dificuldades com a cabeça erguida e triunfar sobre elas serenamente. Encontramos inúmeras declarações nos escritos de Nichiren Daishonin que descrevem as dificuldades ou perseguições que enfrentou por causa da Lei como fonte de alegria: “De todas as pessoas (...) não houve ninguém que tenha sentido nossa incontida alegria” (CEND, v. I, p. 330); “Pelo que fiz, fui condenado ao exílio; porém este é um sofrimento menor, limitado à minha existência atual, e do qual não vale a pena lamentar-me. Em minhas existências futuras, desfrutarei imensa felicidade, e este pensamento me proporciona grande alegria” (Ibidem); e “Quanto mais as autoridades do governo me atacam, maior é a minha alegria” (Ibidem, p. 253).
Por maiores que sejam as dificuldades, nada supera a alegria de dedicar a vida à propagação do ensinamento correto do budismo, ajudando a aliviar o sofrimento da pessoa que está bem diante de nós e plantando as sementes da felicidade na vida dela. O Sutra do Lótus tem o poder de nos inspirar a conduzir uma vida de nobreza, força e honra insuperáveis. Viver de acordo com o Sutra do Lótus é por si mesmo a felicidade absoluta.
Nesta carta, Nichiren Daishonin cita uma passagem da obra Grande Concentração e Discernimento, de Tiantai, para esclarecer dois aspectos do estado de vida do devoto do Sutra do Lótus que enfrenta várias dificuldades.
Primeiro, o estado de vida do devoto é comparado ao fogo, e as dificuldades são comparadas à lenha. Colocando mais lenha, uma fogueira queima ainda mais rapidamente. Da mesma forma, as dificuldades fazem a chama da fé do devoto arder ainda mais intensamente, e também fortalece a consciência e a confiança da missão do devoto. Segundo, o estado de vida do devoto é comparado ao mar, e as dificuldades são comparadas aos rios. Em outro trecho deste escrito, Daishonin fala de “torrentes de adversidades” que desaguam no “mar do Sutra do Lótus e avançam contra seu devoto” (cf. CEND, v. I, p. 33). Os rios correm para o mar e o mar não rejeita suas águas, em vez disso, aceita a água nele derramada, se avoluma e torna-se mais abundante.
As dificuldades fazem nossa fé arder ainda mais brilhantemente, o que nos permite manifestar um estado de vida tão vasto quanto o oceano e atingir o estado de buda infalivelmente. Quando praticamos o Budismo de Nichiren Daishonin, somos capazes de encarar as dificuldades como oportunidades ideais para transformarmos o nosso carma.


Frase 2


Isso significa que aquele que ensina aos outros mesmo uma única frase do Sutra do Lótus é o emissário d’Aquele que Assim Chega, independentemente de essa pessoa ser sacerdote ou leigo, monja ou leiga. O senhor já é um praticante leigo e, portanto, um dos “bons homens” descritos no sutra. (CEND, v. I, p. 33) 

Explanação

A importância de
compartilhar “mesmo uma única
frase do Sutra do Lótus”

Na frase anterior a essa passagem, Daishonin cita um trecho do décimo capítulo do Sutra do Lótus, “Mestre da Lei”, que afirma que qualquer pessoa que compartilha até mesmo uma única frase do sutra é um emissário d’Aquele que Assim Chega, um enviado do Buda para fazer o seu trabalho. E, essa passagem afirma que isto é verdadeiro para todos os que assim o fazem, independentemente do gênero. Daishonin vai ainda além ao dizer que não só transcende as distinções de gênero, mas também entre clérigos e leigos. Ele elogia Shiiji Shiro, um praticante leigo que propaga a Lei Mística, dizendo-lhe que ele é, sem dúvida, um dos “bons homens” descritos na passagem do sutra e, portanto, é um “emissário d’Aquele que Assim Chega”.
O significado e a missão de compartilhar até mesmo “uma única frase do Sutra do Lótus” são infinitamente profundos precisamente porque compreendem as verdadeiras palavras do Buda. Esses esforços também produzem grande benefício. Isso também se aplica à nossa dedicação do dia a dia para compartilhar o Budismo de Nichiren Daishonin com as pessoas [shakubuku].
O shakubuku não está restrito apenas a falar sobre doutrinas budistas difíceis. Não há necessidade de complicar as coisas. Você pode simplesmente compartilhar, sem rodeios e de forma honesta, suas experiências reais, sua alegria e convicção no poder da fé na Lei Mística. São palavras verdadeiras. Por exemplo, dizendo a alguém: “Com certeza você se tornará feliz com esta prática budista”; “Recitar Nam-myoho-renge-kyo transformará a sua vida”; e, “Não há dificuldade que não possa ser superada com essa oração”.
Palavras sinceras vindas do puro desejo da felicidade de um amigo; palavras de convicção e alegria que brotam das profundezas da vida; palavras de coragem e esperança para dissipar sofrimentos de um amigo — tudo isso são palavras que despertam a natureza de buda intrínseca dos outros. É por isso que compartilhar “mesmo uma única frase” por si só é uma ótima maneira de realizar o shakubuku, e porque esse nobre empenho certamente fará surgir boa sorte e maravilhosos benefícios.
Aqueles que são capazes de dizer aos outros quão grandiosa é a Lei Mística, ou quão maravilhoso é o Budismo de Nichiren Daishonin, mesmo que apenas por meio de uma única orientação ou palavra, são, sem exceção, emissários do Buda. O próprio ato de compartilhar a Lei Mística é garantia de que acumularemos benefícios imensuráveis como nobres emissários, e nossa vida certamente brilhará de forma radiante, plena de boa sorte e benefícios, existência após existência.
Em 1946, em meio às ruínas do Japão pós-guerra e levantando-se na empreitada da reconstrução da Soka Gakkai, o segundo presidente Josei Toda, declarou: “Nós devemos ter a máxima confiança de que somos nobres indivíduos emissários d’Aquele que Assim Chega. Não devemos nos subestimar”.1 E, referindo-se à nossa missão como membros da Soka Gakkai, ele continuou: “Nós somos emissários do Buda. Fomos enviados até aqui pelo Buda. Somos emanações de Daishonin. Apesar de parecermos pessoas comuns, somos, na verdade, extremamente nobres e dignos do mais alto respeito”.2

Frase 3


Quem ouve pelo menos uma única sentença ou frase do sutra [do Lótus] e a guarda no fundo do coração, pode ser comparado a um barco que cruza o mar dos sofrimentos do nascimento e da morte. O grande mestre Miaole3 declarou: “Mesmo uma única frase guardada no fundo do coração ajudará a chegar ao outro lado da margem. Ponderar sobre uma única frase e aplicá-la é exercer a navegação [para cruzar o mar dos sofrimentos do nascimento e da morte].”4 Somente o barco do Nam-myoho-renge-kyo possibilita alguém a atravessar o mar dos sofrimentos do nascimento e da morte. (CEND, v. I, p. 33).

 

Explanação
Sutra do Lótus — um barco para
atravessar o mar dos sofrimentos
do nascimento e da morte


Problemas e preocupações são situações inevitáveis na vida. E ninguém pode escapar dos sofrimentos do nascimento e da morte. O “mar dos sofrimentos do nascimento e da morte” é uma metáfora que indica os profundos e intermináveis sofrimentos com os quais nos deparamos nesta existência.
Referindo-se a uma passagem da obra Anotações sobre “Palavras e Frases do Sutra do Lótus”, do grande mestre Miaole, Nichiren Daishonin diz: “Quem ouve pelo menos uma única sentença ou frase do sutra [do Lótus] e a guarda no fundo do coração, pode ser comparado a um barco que cruza o mar dos sofrimentos do nascimento e da morte” (CEND, v. I, p. 33). A bordo do “barco do Nam-myoho-renge-kyo [o Sutra do Lótus]” (Ibidem), é possível cruzar o mar turvo de sofrimentos, não importando quais dolorosas adversidades nos esperam na vida, e chegar à margem do outro lado da vitória e da felicidade.
A simples frase “Nam-myoho-renge-kyo” que Daishonin ensinou como a “semente do estado de buda”, a causa fundamental para atingir o estado de buda, contém em si todos os ensinamentos do Buda. Acreditando nesta única frase, todas as pessoas podem revelar sua própria natureza de buda e transformar os sofrimentos e tristezas da condição humana nas “quatro nobres virtudes” — eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza.5
O fato de Nichiren Daishonin utilizar a palavra “ouve” [“Quem ouve pelo menos uma única sentença ou frase do sutra”] é significativo. Após o trecho de Anotações sobre “Palavras e Frases do Sutra do Lótus”, citado por Daishonin nesta carta, o grande mestre Miaole continua dizendo: “Se alguém aceita ou rejeita os ensinamentos, eles penetram nos ouvidos dessa pessoa, criando, dessa forma, um vínculo. E então, embora possam segui-los ou ir contra eles, no final, por causa deste vínculo essa pessoa será capaz de alcançar a libertação [isto é, alcançar a iluminação]” (WND, v. 2, p. 56). Permitir que alguém ouça sobre o Sutra do Lótus — considerando, é claro, suas particularidades — é plantar a “semente do estado de buda” no coração dessa pessoa e ativar o estado de buda inerente a ela.
Nesse sentido, não há necessidade de ficar excessivamente preocupado com a forma como os seus ouvintes reagem quando você conversa com eles sobre o budismo. Você os ajudou a estabelecer uma relação com o budismo e, eventual­mente, nascerá a oportunidade de manifestar o estado de buda.
Como vimos até agora, há um enorme benefício em compartilhar até mesmo uma única sentença ou frase do Sutra do Lótus com as pessoas. Ao mesmo tempo, aqueles que ouvem suas palavras formarão uma relação com o budismo e, como resultado, conquistarão ilimitada boa sorte e benefício. É por isso que se aproximar das pessoas para falar com elas sobre o budismo é tão importante.

1. Toda Josei Zenshu [Coletânea de Orientações de Josei Toda], v. 1, p. 304. 2. Ibidem. 3. Miaole (711–782): Um patriarca da escola Tiantai na China. Ele é reverenciado como restaurador dessa escola. Seus comentários sobre as três grandes obras de Tiantai são intitulados: Anotações sobre “Profundo Significado do Sutra do Lótus”, Anotações sobre “Palavras e Frases do Sutra do Lótus”, e Anotações sobre “Grande Concentração e Discernimento”. 4. Anotações sobre “Palavras e Frases do Sutra do Lótus”. “O outro lado da margem” representa o nirvana, ou a iluminação, ao passo que a margem em que as pessoas vivem representa ilusão. 5. As “quatro virtudes” são eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza. Descrevendo as nobres qualidades de vida do Buda, elas são assim explicadas: “eternidade” indica o que é imutável e eterno; “felicidade” significa a tranquilidade que transcende todo o sofrimento; “verdadeiro eu” indica a natureza verdadeira e intrínseca; e “pureza” significa livre de ilusão ou de conduta equivocada.

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